Pouco conhecida no Brasil, escultura em frutas tem uma origem milenar
Basta uma pequena faca na mão para Marta Torres e Milton Nisti transformarem uma fruta ou legume em obra de arte. Com os traços minimamente calculados, os chefes fazem surgir, em meio às cascas e sementes, pássaros, paisagens, fisionomias e até castelos. “Foi amor à primeira vista. Você cria e então quer mais, descobre inúmeras possibilidades de formas e temas. É apaixonante”, conta Marta, que deixou de lecionar Educação Física para se dedicar às esculturas.
Vice-campeã pan-americana de karatê em 1997, em 1998 passou a dividir a dedicação ao esporte com o buffet do esposo na cidade de Americana (SP). O encontro improvável com as esculturas aconteceu em 2004, quando um cliente pediu uma mesa decorada com frutas. “Sobrou para mim. Comecei a pesquisar e fazer pequenas esculturas, então percebemos que tínhamos um grande diferencial, que passou a virar exigência das pessoas que nos procuravam.”
O talento foi descoberto na prática e nos 10 anos de atuação na área, Marta aprimorou as técnicas e se formou em um curso de Escultura em Frutas e Legumes pelo Senac. “Minha família tomou muito suco de melancia com as esculturas que não davam certo.” Mas as tentativas valeram a pena: hoje ela é bicampeã brasileira do troféu "Master Carving", de composições de esculturas em melancias nos anos de 2013 e 2014. Além dos prêmios conquistados, Marta produz esculturas para eventos corporativos, casamentos, festas e oferece cursos para iniciantes.
A arte, segundo Marta, é extremamente detalhista. “Para esculpir uma melancia demoro cerca de 3 a 4 horas”. Entre suas imagens preferidas, estão os pássaros. “Eu gosto muito de fazer pássaros e trabalhar com abóbora madura, a seca. É minha fruta preferida. É a mais difícil porque só há a cor laranja, então a imagem tem que ser bem expressiva. É um desafio.”
Fonte feita pelo chef Milton Nisti (Foto: Divulgação / Milton Nisti)
Já Milton Nisti vem de uma família de artista. Crescido em Santos e filho de pintor de quadros, ele aprendeu ainda jovem a arte de esculpir em areia. Com apenas um balde, uma espátula, um estilete e com a orientação do artista Pedro Germe, ele formava esculturas nas praias do litoral paulista.
O ingresso no ramo de alimentos ocorreu há 12 anos quando Nisti iniciou o curso de gastronomia e viu oportunidade de aplicar as técnicas artísticas na elaboração dos pratos. “Primeiro utilizei a maneira de pintar quadros nos temperos. Eu pensava nas cores, no sabor”, conta. O interesse pelas frutas surgiu quando, em 2006, foi trabalhar em cruzeiros. “Esse tipo de arte é muito valorizada lá fora”. E foi sobre as águas que Nisti teve contato com diversas culturas, que introduziram as técnicas de esculpir em frutas. “Foi um choque cultural muito grande. Aprendi com filipinos, indianos, chineses, e tive mais técnicas deles.”
Ao retornar ao Brasil, Nisti aprofundou-se no ramo pesquisando na internet e desenvolvendo técnicas próprias. “As minhas primeiras escultura eram um terror, eu terminava e já estava escorrendo, tinha que colocar estaca pra ficar de pé. Tenho história, eu vivi muitas coisas para aprender de verdade a esculpir”
Além de esculpir nos alimentos, a falta de material fez com que ele embarcasse na fábrica de ferramentas. “Eu entrava nos sites, via o tamanho, como era o formato e comecei a produzir. Eram muito caras para comprar, 120, 180 reais”. Hoje Nisti produz artesanalmente as lâminas e para o cabo utiliza um material de plástico vegetal desenvolvido por um brasileiro. “Tem um apelo ecológico muito bacana, custo baixíssimo.”
Professor de arte do ensino médio e fundamental, o artista desenvolve esculturas em frutas para eventos e redes de hotelaria. Foi campeão do primeiro concurso nacional “Master Carving" de composições de esculturas em melancias e posteriormente jurado no campeonato. A cada 100 facas vendidas, ele separa 10 para o oferecimento de cursos beneficentes.
Origem
Nisti conta que a arte de esculpir em frutas se iniciou na Tailândia, no festival Loy Krathong. O primeiro contato das pessoas com o estilo, ainda pouco apreciado no Brasil, gera surpresa na opinião de Marta. “Muitos pensam que ébiscuit, não acreditam. Ninguém encontra esse tipo de arte facilmente no Brasil e as que já viram, foram em navios, cruzeiros. A escultura vem de um lado nobre e milenar, e só agora estão se tornando mais populares.”
Para ela, o desconhecimento das técnicas e pouca divulgação da prática são reflexos do lugar que o artista ocupa no país “O artista no Brasil quase não é valorizado. Eu sou uma artista, não sou apenas chefe. E não é fácil, são 10 anos de aprimoramento. Precisamos ser mais vistos, divulgados.” Na opinião de Nisti, educação é o primeiro passo para valorização da arte. “Nosso povo carece de educação, assim a arte não é apreciada. Culturalmente recebemos o que é mais comercial, o que é pronto, rápido e barato, mesmo que não seja autêntico.”
Mas apesar do pouco reconhecimento, ambos concordam que trabalhar com o que gosta é recompensador. “Eu sinto orgulho de trabalhar com isso, de trabalhar com a terra. Eu pego uma abóbora de 20 quilos e transformo ela em uma ave. Eu uso o que a terra me dá e transformo em arte”, conclui Marta.
Fonte: http://revistagloborural.globo.com/vida-na-fazenda/noticia/2015/04/arte-de-esculpir-em-frutas.html